12.1.10

Vila-Matas - Morrer por saudade


São muitas frases. sentenças que indicam lugares diversos,

apontando lugares dissociados neste mapa.
Partiram de outras, ordens tão diversas.

Porque não sei ordernar, simplesmente não ordendo.
Deixarei a desordem tomar sentido, já que é este o sentido deste lugar:

"Pode-se dizer fui me transformando em alguém que, depois de andar sem rumo pelas ruas, andava sem rumo em sua própria casa."

E foi assim que me fascinei pela possibilidade:
perder-me em meu redemoinho íntimo, no meu mapa interior.


Falou também: "...como se esse amor compartilhado pudesse gerar acontecimentos..."
Acontencimentos estão para além do que há de brusco e drástico nesta vida.
São um encontro de forças íntimas. Acontecimentos são desejos. Agressivos se a força vem só de um lado, mas isto não importa. Acontecem de qualquer modo.

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"... na vida, a vida é inalcansável. A vida está tremendamente por debaixo de si mesma."
E pensei que sempre temos saudades do que não conseguimos, que a saudade também é projetar o impossível. A saudade é desejo.

Fugir da plenitude é ter a vista vaga. Vaguear com o olhar porque nada do que admiramos faz sentido. Morrer dos desejos insatisfeitos.
Viver é a tentativa.

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"... ao ver aquele menino velho ferido profundamente por minhas palavras, descobri existirem frases que não eram inocentes, por mais vazias que parecessem; havia frases que possuíam, às vezes sem sabê-lo, agressividade."

Perigo na inocência, loucura na inocência.
A inocência é porta aberta:
uma corrente de mão-dupla passa por ela.

Intriga-me que na infância eu fosse tremendamente inocente e cruel.
Mas todas crianças não o são?
Talvez eu me assombrasse mesmo era com o impacto capaz de causar nos outros.
E portanto, comigo mesma.

Curioso como ao envelhecer,
Estou perdendo os dois, crueldade e inocência,
aos poucos, na mesma medida.

E continuo pensando-lembrando:
"Era a primeira vez que ouvia falar de um movimento que às vezes se produzia no homem e que se chamava suicídio, e lembro que me chamou atenção o fato de ser um movimento solitário, afastado de todos os olhares, perpretado na sombra e no silêncio."

Decidir morrer como quem decide ficar sozinho de vez.
Mas posso me isolar em vida também, algo mais ilusório, e talvez por isso mesmo, tremendamente mais triste.

Ou também: afastado do jogo, porque não jogamos sozinhos.
O que pode ser uma ilusão minha.
Ou pensar que jogamos sozinhos pode ser um jogo de ilusão.
De qualquer forma, sempre acreditamos no que queremos, e já disse diversas vezes que ilusão é uma questão de ponto de vista:

"Estou num espaço quadrangular, de madeira torneada e brilhante, sólido com um móvel antigo, com bancos ao longo das paredes, e nestas, anúncios que falam de lojas de tecidos, de tinturarias, de cabelereiros."

às vezes, as mais inúteis atenções [distrações] são as mais impactantes.
as mais relevantes.

"... dizem que a nostalgia é a tristeza que fica mais leve - quando evoco aquelas jornadas nas quais descobri que, na vida, a vida é inalcansável, que a vida está tremendamente por baixo de si mesma e que a úncia plenitude possível é a plenitude suicída.
Mas não saltarei no vazio, amigo Horácio."

Enrique Vila-Matas
trechos de Morrer por Saudade.
Suicídios Exemplares, Cosac Naify, 2009.


As palavras podem impactar pela lembrança.
Mas só quando se misturam ao novo é que são realmente marcantes.

7.1.10

Vila-Matas - A hora dos cansados II


"Fico pensando no assunto, e acabo me perguntando se não será talvez um pesquisador, um perseguidor de vidas alheias, uma espécie de detetive ocioso, um contista."


Com alguma frequencia certos eventos, provas cotidianas, me lembram que quando olhamos aos outros, raramente encontramos algo além de nós mesmos.

Vila-Matas - A hora dos cansados


Ah, como alguns livros são maravilhosos.

E o verão pede o mergulho.

Assim, seguirei com a rotina irregular de comentar algumas leituras que me atingem demais, como um raio apaixonado:


"Acelero o passo e, por alguns segundos, sinto um quase desfalecimento, e digo a mim mesmo que vou desabafar sobre o asfalto. Logo percebo que não é para tanto, afinal ainda sou jovem, o que acontece é que sempre me imagino à beira do desfalecimento porque, como mais ou menos intensidade, sempre estou cansado, cansado dessa cidade lamentável, cansado do mundo e da estupidez humana, cansado de tanta injustiça. Às vezes tento superar este estado e luto comigo mesmo, me imponho desafios como esse de persistir, sem objetivo algum, na perseguição de um velho nem um pouco cansado."

Enrique Vila-Matas
A hora dos cansados.
Suicídios Exemplares, Cosac Naify, 2009.



Desabar sobre o asfalto.
Posso imaginar a cena:
Numa tarde quente de verão, jogo-me sobre o asfalto.
simples assim: deixo-me em queda, quase que delicadamente.


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Lindo na literatura, mas irreal aos olhos.

Sempre me perguntei sobre o porquê de certos desejos serem afogados tão sem hesitação.
Algo por vezes visível no terrível senso-comum, muro que não nos permite observar os saltos destes desejos, sempre tentativas.

E quando não há hesitação [meu desejo desfalecido],
porque escapam à vista?

Não são nem mesmo como um cheiro estranho no ar,
algo abandonado da possibilidade de conhecimento.

[ uma vez que não é visto, mal pode ser investigado. Perde-se diluído no ar, sem rastros.]

Não. Repetem em voz alta.
Certos desejos mantém-se escondidos ou são afogados

[a loucura vive em terra firme].
São como resquícios distantes, poeira que não pode ser segurada.
Desejos mutando-se em ilusões,
adultos sombrios a povoar a memória.


Talvez terrivelmente.

Sofrem do mal de serem lembrados.

Como a memória cotidiana,
que nos assola como os dias nublados.