Ah, como alguns livros são maravilhosos.
E o verão pede o mergulho.
Assim, seguirei com a rotina irregular de comentar algumas leituras que me atingem demais, como um raio apaixonado:
"Acelero o passo e, por alguns segundos, sinto um quase desfalecimento, e digo a mim mesmo que vou desabafar sobre o asfalto. Logo percebo que não é para tanto, afinal ainda sou jovem, o que acontece é que sempre me imagino à beira do desfalecimento porque, como mais ou menos intensidade, sempre estou cansado, cansado dessa cidade lamentável, cansado do mundo e da estupidez humana, cansado de tanta injustiça. Às vezes tento superar este estado e luto comigo mesmo, me imponho desafios como esse de persistir, sem objetivo algum, na perseguição de um velho nem um pouco cansado."
Enrique Vila-Matas
A hora dos cansados.
Suicídios Exemplares, Cosac Naify, 2009.
Desabar sobre o asfalto.
Posso imaginar a cena:
Numa tarde quente de verão, jogo-me sobre o asfalto.
simples assim: deixo-me em queda, quase que delicadamente.
------------
Lindo na literatura, mas irreal aos olhos.
Sempre me perguntei sobre o porquê de certos desejos serem afogados tão sem hesitação.
Algo por vezes visível no terrível senso-comum, muro que não nos permite observar os saltos destes desejos, sempre tentativas.
E quando não há hesitação [meu desejo desfalecido],
porque escapam à vista?
Não são nem mesmo como um cheiro estranho no ar,
algo abandonado da possibilidade de conhecimento.
[ uma vez que não é visto, mal pode ser investigado. Perde-se diluído no ar, sem rastros.]
Não. Repetem em voz alta.
Certos desejos mantém-se escondidos ou são afogados
[a loucura vive em terra firme].
São como resquícios distantes, poeira que não pode ser segurada.
Desejos mutando-se em ilusões,
adultos sombrios a povoar a memória.
Talvez terrivelmente.
Sofrem do mal de serem lembrados.
Como a memória cotidiana, que nos assola como os dias nublados.
Um comentário:
Melhor livro de contos dos últimos 10 anos.
Postar um comentário