25.2.11

peixes abissais em ondas sonoras.


Às vezes tenho certeza de que gosto mais dos sons graves pela qualidade algo grave dos sons densos.
Sons agudos são ligeiros e doloridos, nos tocam em superfície ou em brevidade.

Os sons graves são rebeldes em sono profundo.
Possuem o caminhar pesado, e a gravidade das palavras não ditas.

Sons graves confundem-se com mais facilidade.
E toda vez que me perco no som estou no mar.

Quero ser peixe abissal, perder-me em profundezas.
Quero que uma pequena luz me guie em mundo infinito.
Os sons graves me confortam, estou na cama.
Dormir em ondas, viver anos sem encontrar os outros.

Afundar-se, encontrar-se.

Só consigo falar nas profundezas, sons indistintos chegam à superfície.


som e memória - espirais.


Que algumas músicas nos evocam outro tempo, alguma nostalgia, todos sabemos.
Mas ainda assim me impressiona que alguns detalhes sutis nos evoquem coisas muito específicas.
E que muitas delas talvez não façam o menor sentido,
que sejam tão particulares.

Por exemplo, esta música*:
Os acordes situados entre 0'48" e 1'01" são, para mim, o grunge em essência.

Não importa que os acordes não façam sentido, ou que nunca tenham estado presentes qualquer canção deste estilo (improvável).
O sentimento que aflora toda vez que escuto estes acordes resume todo o meu amor pelo grunge.
É o mesmo sentimento que sinto ao escutar diversas músicas e bandas do início dos anos 90.

Música é sentimento, não precisa e nem deve fazer o menor sentido.

* Comedown, Bush. Do primeiro album, Sixteen Stone.
Esta banda surgiu já durante a ressaca grunge, e foi ridiculamente taxada como uma tentativa sucessão ao Nirvana. Acredito que o som da banda confirma que o grunge já estava indo embora, e nela noto não mais do que uma forte influência. Uma boa influência.


16.2.11

o sentido dos frames

ou: o colecionador.

Há algum tempo (hoje parece um tempo consideravelmente distante), tinha o hábito de capturar frames de filmes que gostava. Foi mais ou menos na época em que eu estudava fotografia, e estava um pouco em "crise", num hiato criativo.
...

Como estava enfadada com o meu olhar, acabei resolvendo deixar a fotografia de lado por um tempo, e distrai o meu olhar com o cinema.
O hábito de colecionar frames chegou quase sem aviso, como um passatempo, mas adquiriu regularidade em ocasionais impulsos que eu não conseguia conter. Foi só depois de algum tempo que percebi, para além das noções estéticas, que existia algum elo sutil entre as imagens que capturava, e que isto revelava uma profunda relação com a fotografia (em termos de gostos pessoais) e, por consequencia, com a fotógrafa e artista que eu era em essência.

Percebi que não só o mise-en-scene me encantava pelas possibilidades narrativas, como também uma ideia de sequestro da imagem, como uma noção de que a imagem nunca está completa, pois pertence a um momento não inteiramente conhecido.
Em outras palavras: me fascina até hoje em em diferentes ocasiões a ideia de non-sense e, neste caso, se aplica a uma imagem que possui uma história, supostamente. A imagem não é plausível por si só, e me agrada a presença da frustração que ocorre por não conseguirmos desvendá-la.

...

Hoje vi o filme The Good Heart, que recomendo muito.
Não bastassem as atuações e a fotografia fantástica, o roteiro é um deleite, e o diretor revela um talento fascinante em algumas "tiradas" verdadeiramente surreais, em diversos níveis.
Então, como uma homenagem a este filme lindo e minha saudade de fotografar (vivo em outro hiato neste momento) recolhi alguns frames, que eu compartilho aqui:





obs: devo observar que a minha rápida pesquisa só permitiu recolher frames da web e de trailers, mas o filme apresenta outros momentos especiais para coleção.
obs2: é estarrecedor perceber como os personagens se encaixam algumas situações simbolicamente reveladoras. Há vários subtextos especiais, que complementam ou dissolvem as imagens... mas a crítica fica pra outra hora =)

* O Bom Coração (The Good Heart), de Dagur Kári:
http://www.imdb.com/title/tt0808285/


como viver junto ?


houve um amor que eu levei ao funeral.
foi há muito tempo,
e depois disto houve uma linha constante.

...desatei muitos laços,
mas alguns parecem impossíveis:
amor ao funeral é uma desistência,
e nunca pretendi construir barricadas.

alguns laços ora são estendidos por outros:
[o que fazer com a ajuda que não é bem vinda?,
ou: se algumas coisas nos chegam, não é hora de recebê-las?]
outros são como sombras:
nos mostram que certas coisas existem mesmo quando não estão ali.

como viver junto,
se a indiferença (mesmo quando almejada) é dolorida?

ser alegre mesmo na falta de felicidade é projeção.
é dizer que estamos bem, mesmo assim.
...
é estúpido querer ser meio-alegre, médio-feliz.
mas é que algumas coisas realmente não importam mais.

...

... fui andando embora, e já quase não olho para trás.


9.2.11

homenagem à Black Swan.


Visceras, lágrimas, êxtase.

Não é sem culpas que aceitamos quem somos.

A ascensão para a aceitação raramente vem através de fios soltos.
Os cortes são necessários, e às vezes, fios arrancados.


* Black Swan ou Cisne Negro, o mais recente filme de Darren Aronofsky. Dor e alegria ao sair da sala de cinema. em diversos sentidos.