29.2.12

Sobre o salto (spirit desire)

...

Spirit desire (face me)
Spirit desire (don't displace me)
Spirit desire
We will fall

Miss me
Don't dismiss me

Spirit desire

Spirit desire [x3]
We will fall
Spirit desire
We will fall
Spirit desire [x3]
We will fall
Spirit desire
We will fall

* trecho da música Teen Age Riot [Sonic Youth, álbum Daydream Nation]
escute, é lindo, eu garanto. [leonilson way of life] - (clique aqui)

... Everybody's talking 'bout the stormy weather...

16.2.12

the master of illusion


If I'm a master of illusion,

I can be a delusion programed.


o fundo da piscina mar

ou: illusion/ delusion

saltarei na água profunda,
[e tão efervescente],
como o desejo flanêur,
como os saltos de bolhas no ar aos olhos,
salpicando de distração o viver.

mergulharei com borbulhas e olhos abissais,
[o salto ornamental em direção à densidade]
até os sons graves indistintos,
os passos graves em direção à luz de pôr-do-sol,
tão distante na estrada cinza,
e tão interior.

o salto será hibernante,
e o fundo do mar cego de luz.

14.2.12

o salto ornamental

...
...
...
Antes do salto, tem a rampa.

e tem os passos em direção à ponta da rampa,
e antes disso uma vida inteira.

a cada passo, uma ansiedade que nos forçamos a anestesiar,
como se os passos pudessem ficar cada vez mais leves, mais etéreos.

Na ponta da rampa a imobilidade.
O olho no fundo do mar, escondido embaixo da superfície calma da água.

Na ponta da rampa a ansiedade é diluída em respiros,
no olhar concentrado que esquece a altura, esquece o mundo à sua volta, esquece a vida inteira atrás da rampa.

no olhar que tenta esquecer a vertigem de viver.

A concentração é longa como os respiros, cada vez mais profundos, cada vez mais voltados para dentro de si.
Os respiros são suaves como os hibernantes.
Acumulando toda a energia durante o sono,
numa movimentação interna muito particular.
De instinto acordado mas de olhos fechados para o redor.

o redor da rampa e da vida atrás da rampa que irá abandonar.

o tempo vira vertigem.
poderia ficar semanas em cima da rampa, hibernando de olho sonhador dentro do mar.

e tão logo nos damos conta o sonho é o que sempre foi - a daydream living, e acordamos já na ponta dos pés, na ponta do salto que o corpo decidiu quando estava pronto, num instante sempre quase exato [e sempre incerto] à pausa do respiro.

hibernamos porque o salto é ornamental:
o salto calculado em cada movimento que no fim é sempre incerto, é sempre a busca de um ideal.
o ideal em direção ao mar revolto.
o mar embaixo d'agua é destino.

é onde a vertigem de viver toca em cada poro da pele.
onde estamos muito vivos, e acordados afinal.


encontrar o deserto.


* frame do filme Howl, de Rob Epstein e Jeffrey Friedman, 2010.

11.2.12

a doença como embrião hibernante.

A Doença*

Não se trata nem de aniquilar nem de domesticar; a doença veio e tu, como bom hospitaleiro, deixaste-a entrar, e condeste-lhe até a melhor das tuas cadeiras. Mas eis que a hóspede parece não querer levantar-se, nenhum indício revelou até agora (e quantos dias passaram?, semanas? meses?) de algo que se assemelhe ao início de uma cordial e bem-educada despedida. Olhas bem para ela, finalmente, da tua cadeira cada vez mais desconfortável, e como que medes, com os olhos, a sua força e eventualmente os seus amigos - hesitando assim entre ser rude, expulsando-a à força, e aceitar as circunstâncias com um certo desportivismo.
E dada a tua gentileza invulgar, que desde a infância te elogiam, inclinas-te por fim para a segunda solução: és tu, pois, que te levanta para sair, incitando-a a não deixar de comer da cozinha os teus últimos alimentos, e deixando-lhe então, por completo, e com último olhar de entendimento, toda a casa por sua conta.

*Gonçalo M. Tavares. Breves notas sobre o medo. Relógio D'Agua, 2007.

...................

a doença é o embrião hibernante.
embrião de metamorfose-metástase,
espelho e reflexo involuntário.
...acumulando energia para o abandono, como um animal que engole sem pensar.
devora toda a vida, e vai-se embora para outros lugares.
...até chegar lá já digeriu toda a vida,
buscando tudo o que é externo,
e tão interior.


2.2.12

homens-máquina, insones hibernantes

Serge Daney comenta sobre alguns grandes cineastas franceses*, nos anos 70 (segundo ele, um período-deserto):

...eles jamais pararam de filmar. Melhor: jamais pararam de experimentar.
[...]
tais autores souberam cosnstituir sua própria máquina de produção, ou, como diz Rivette, seu "microssistema". Uma máquina de produzir um filme, mas sobretudo de produzir a posssibilidade de outro filme, em seguida.
[...] 2x
eles pensaram "small is beautiful";
eles estiveram, para retomar a bela expressão de Deleuze, "muito povoados do interior de si mesmos".

e ainda:
O que caracteriza essas máquinas tão diferentes umas das outras não é seu tamanho (em geral, elas são pequenas), é que são máquinas que permitem desvios.


Quero tornar-me homem-máquina,
meu interior é o deserto onde hiberno.
No interior do deserto as dunas são desvios,
como linhas originais
que extrapolam o corpo-máquina, para o horizonte.

Serei a minimajor do sonho,
construirei os passos para o exterior,
onde a paisagem é orgânica e feroz
feroz como a fome criativa
a faísca que produz os desvios que me levam naquela direção tão turva, e tão clara.

A paisagem é sonora e color.
e o mergulho desviante é linha de percurso.

...
o que ele quer dizer, também, é que:
Porque a verdadeira riqueza é o tempo, o tempo que um artista precisa para trabalhar um material, para acumular experiência.


* Godard, Vecchiali e Rohmer, mais especificamente.
** Fonte: Serge Daney. A Rampa: Cahiers du Cinéma, 1970-1982. Cosac Naify, 2007.