31.8.09

1ª resposta.





1ª e 2ª páginas de
Samuel Beckett
Novelas e Textos para Nada
Assírio e Alvim
Lisboa, 2006.

pequena literatura.


[na narrativa, é fácil perder-se do experimentalismo]


entristeço-me vagarosamente

distanciando-me dos dias
em que aprendi a alegria,
como algo simples de engendrar.

[descer o poço escuro sem voltar atrás,
prefiro caminhar a ser alice]


o que esqueço repetidamente que aprendi,
foi sobre a impermanência.

sente e espere

olhando o dia passar

com o céu rasgado em laranja-luz
lembro da errância dos dias.

espero contemplativamente.

fico plena mesmo
quando o pensamento se perde.

25.8.09

lost in translation 2


A memória é como a tradução.


pode boiar no lago
[às vezes, ao alcance das mãos]

mas perde-se facilmente no limbo.

só que, diferente,
não se recupera.

errância que dá voltas.

21.8.09

Things That Might Have Been

Estou no deserto
de paredes brancas e sol distante
analgésicos...

aqui os dias são mais os mesmos do que em qualquer outro lugar.

a noite mais azul.
o silêncio se alterna com as crises.

deserto sinuoso.

o deserto é ilha.

as terras avistadas são sempre distantes,
o olhar não sabe medir.
mal sabe esperar.

o problema das fotografias é que elas não são impressionistas.
não entendem a sutileza do tempo.
a falta de mudança de todos estes dias
sempre os mesmos, espirais.

um dia inteiro na poeira dos grãos grossos e densos.
enterro-me. como se me escondesse.

posso ver o raio mais intenso mesmo com os olhos fechados.
cada partícula é em mim uma palavra.
nossas temperaturas, as mesmas.

confundo-me com o som silencioso do deserto.
percorrendo as grandes distâncias,
som profundo nos tímpanos, surdo, indistinto.

para desaparecer só é preciso o desejo.
"não importa para onde vamos,
contanto que sem cautela".

16.8.09

o ato do desaparecimento:


Estou debaixo da chuva intensa.


mas apenas pelo tempo de me colocar no meio da rua,
e deixar-me encharcar por dentro.

Só depois de sentir as gostas mergulharem em cada poro,

que eu poderei olhar bem para a frente,

e desaparecer como a chuva forte de verão.

Apenas o asfalto testemunha a ausência.

sou todos os resquícios, as gotas em todos os lugares. vejo tudo claramente como o sol que chegará daqui a horas.

como a noite, vou obscurecer-me.

e como o sol da manhã, volto timidamente.

vai parecer que nunca fui embora.


todos os dias são sempre os mesmos.
e tão diferentes.

9.8.09

desaparecer - aparecer

[into the wild]

Dizia algo assim:

[sobre quando ele desapareceu]:

a sua ausência há tanto a dizer.

e estava dizendo.
de outra forma seria impossível.

só pela ausência.

a ausência diz de forma tão completa, que é impossível não ficar fascinada.

lembrei de um outro momento, onde contavam:
e agora, ela fará o seu ato principal:
o desaparecimento.

já falei tanto da poeira.
mas quase sempre esqueço de dizer,
que ela é constituída por milhares de palavras.
as letras tão miúdas,
que só fazem sentido pela experiência.

eu agarro os grãos que o vento permite,
que a minha persistência permite,

e monto-os intuitivamente,
com a força do desejo quase insano, algo irracional de entender,
ou mesmo com a calma serena, não importa, há força nos punhos.

... que o sentido surge quase que inesperadamente.
conquista turva.

não importa entender, importa viver.

8.8.09

da frieza e nulidade cruel das estatísticas.


1 entre cada 1000 pessoas ficam doentes por problemas de expressão.

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1. Da qualidade das estatísticas:

em geral, percebo uma característica da ordem do irritante presente nas estatísticas, terrivelmente aparente para a maioria das pessoas.

talvez isto resida no fato de que entendemos as estatísticas como um parâmentro. e consequêntemente, algo que deveria nos trazer um mínimo de segurança.

por outro lado, informações inevitáveis.

O inevitável, é já concluído, estamos atrasados.

... já nem pretendo entrar na questão do informante das estatísticas, já que o que importa mesmo é pensar nos receptores.
Se aceitamos, já não somos informantes também?

contradição intrigantemente aceita.
daí, talvez, o problema das estatísticas:

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2. Uma estatística é algo sem profundidade.

Um muro com a inscrição do inevitável.

Um muro semi-transparente, que não permite reconhecer o mundo inteiro que está por trás.
Apenas um vislumbre embaçado.

Como ter envolvimento sem profundidade?

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3. As estatísticas são impessoais.

Deveriam me dizer algo.

Mas mesmo quando me identifico,
[estou presente ali, dentro]
nada me diz.

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Talvez o mérito das estatístícas seja apenas este, um botão.

O aborrecimento como alavanca para ação.

Experimentar a partir do que não entendo.


1 entre cada 1000 pessoas.




...subverter a estatística com uma mensagem incompleta.


7.8.09

da novidade do olhar, da experiência.



Porque às vezes nos sensibilizamos com obras que não entendemos?

Esta frase, um tanto banal na verdade, mas também pouco observada e essencial, caiu no meu colo em palestra recente. Estava num contexto mais ou menos esse [esta pergunta]:

a experiência é a fonte do sensível?

Voltando à pergunta lá em cima, admito que fiquei perplexa.
Pareceu absurdo nunca ter refletido com cuidado sobre algo que ocorre com uma frequência no mínimo considerável.

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Mas gosto muito dos giros e da secreta afinidade das coisas que estamos vivenciando.

[... apesar da perplexidade, não senti necessidade de me responder rapidamente.
Foi como se já soubesse que iria encontrar a resposta sem uma busca agitada e cega.]

Então, com a simplicidade de quem mantém os olhos abertos, encontrei a resposta nas palavras de Luciano Fabro:

"Temos que distinguir a impressão da experiência; a impressão é um fato transitório, dificilmente controlável, que pode modificar qualquer coisa em nossa bagagem psicológica, ao gerar um choque. A experiência não é apenas ver, mas sentir, tocar, ser capaz de reconstruir, etc. A experiência é precisamente este tomar posse."

Luciano Fabro, em Discursos.
Escritos de Artistas anos 60/70, ed. Jorge Zahar.
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Tomar posse é algo bastante pessoal, certamente.

O que gera uma compreensão pessoal, quando tornamos algo importante em um nível íntimo.
Já não é uma questão de compreender algo no contexto do mundo.
O universo pessoal cria o sentido, e ele é completamente suficiente.

É assim que uma obra torna-se milhares ao mesmo tempo.
[ 1 - 1000 ].

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Ou, desta forma:

Eu não preciso entender, somente viver:

"Como o prazer de caminhar: é tudo, uma percepção da coisa, não é um fato sensual ou sensível, é uma experiência global que deriva de não deixarmos que nenhum destes momentos de vida se perca. Pela mesma razão, podemos gostar da dor, não de modo masoquista, mas porque podemos perceber o seu modo de ser. Há uma diferença entre o sentir e o tomar posse, que é justamente o viver."

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Antes disso, ele dizia:

"Nós nos colocamos sempre em atitude estética diante de alguma coisa quando não somos obrigados a ter uma atitude instrumental."

Pensei na espontaneidade que às vezes só se encontra no viver.
E também na quantidade de vezes que vamos a museus ou o que for, nos esquecendo exatamente disso.

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Como manter a ingenuidade do olhar?