29.1.12

o deserto estético é morno.

Para o cinema francês, os anos 1970 teriam sido a década pós por excelência: pós-Nouvelle Vague, pós-68, pós-moderno. Sem um corte profundo, um movimento, uma escola: quase um deserto estético. Não sabemos no que essa década antecipa os anos 1980. Saberemos mais tarde o que ela terá prefigurado. Enquanto espera, é preciso tentar uma descrição: nem a frio nem a quente: a morno.

*Serge Daney. A Rampa: Cahiers du Cinéma, 1970-1982. Cosac Naify, 2007.


O deserto é ausência, é limbo.
É morno porque próximo da condição de não sentir, de estar anestesiado.
anestesiado é não sentir, não perceber, não ver.
mas é também hibernar.
[enquanto hiberno acumulo toda energia de que precisarei depois...]

O deserto tem tons pastéis porque nada tem destaque no limbo.
E assim poderemos dormir em espiral nos dias mornos...

Atravessar o deserto é como viver no oásis.
Como um sonho onde toda energia gasta se renova ao acordarmos.

O limite do deserto. ponto de partida.
A fronteira do deserto - ponte para o salto.


13.1.12

o buraco negro escondido

às vezes um sentimento mal resolvido pode fazer mal.
como uma doença incubada,
ou uma recaída de gripe.

esconde-se uma ferida, um buraco negro.
o buraco negro espiralando, turvando a mente,
sugando tudo à sua volta.

um buraco negro esconde-se como a noite.
o corpo noite esconde o buraco, com a alegria e a tristeza dos dias.
com os dias corridos
com os dias lentos
com os dias objetivos
com os dias de agradável torpor
com os dias subjetivos...

o buraco negro subjetivo revela-se inesperadamente.
às vezes nas situações mais embaraçosas,
às vezes nas situações menos propícias.
sempre inadvertidamente, e quase sempre um choque:
rasgando o dia-a-dia, sequestrando-me do lugar onde sentei.

e é por isso que preciso caminhar, caminhar...
escrever porque cada palavra é um passo para longe do buraco que tudo suga,
porque escrever é ir de encontro não importa para onde.

depois, quando estiver cansada demais vou me sentar novamente
e com toda calma olharei para o buraco-ferida.
[estarei tão pesada que ele não poderá me sugar].

e assim, espero que o buraco cure-se como a gripe,
que vai-se quase sozinha.
se não, a convivência terá de tornar-se amena.
como os comprimidos
a comprimir todos os efeitos, todas as dúvidas, toda náusea mental.


3 situações (e todas a mesma)




ver a mesma coisa em todos os lugares como sinais, indícios.
um dia, tudo grita ao redor.
silenciosamente.



3.1.12

oh Beckett, sempre Beckett...


Nunca ter tentado. Nunca ter falhado.
Não importa. Tentar outra vez. Falhar
outra vez. Falhar melhor.

Samuel Beckett, Worstward Ho, 1983*

*No livro: In a given situaticion, Francys Alÿs, Cosac Naify, 2010.