3.8.10

para Buñuel, sobre a memória


... "Em contrapartida, preocupa-me muito, chego a me angustiar, quando não consigo me lembrar de um fato recente que vivi, ou então do nome de uma pessoa conhecida nos últimos meses, ou mesmo de um objeto. Subitamente minha personalidade se desmorona, se desarticula. Não consigo pensar em outra coisa e, ainda assim, todo o meu esforço, toda a minha raiva são inúteis. Será o começo de um ofuscamento total? Sensação atroz, ter que usar uma metáfora para dizer 'uma mesa'. E a mais horrenda e pior das angústias: estar vivo, mas não reconhecer a si próprio, não saber mais quem se é.

[...]

Indispensável e onipotente, a memória é também frágil e vulnerável. Não é apenas ameaçada pelo esquecimento, seu velho inimigo, como pelas falsas recordações que dia após dia a invadem.
[...]
A memória é perpetuamente invadida pela imaginação e o devaneio, e, como existe uma tentação de crer na realidade do imaginário, acabamos por transformar nossa mentira numa verdade. O que, por sinal, tem apenas importância relativa, já que uma e outro são vividos, ambos igualmente pessoais."

* Luis Buñuel (com escrita do querido Jean-Claude Carriere) em:
Meu último suspiro, ed. Cosac Naify, 2009.

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Sempre acreditei na ilusão como arma poderosa do viver.
A gente vive de acordo com o que acredita, e podemos realmente viver longamente numa história criada.

Mas isso todo mundo sabe, não?
Então, qual a importância desta discussão?

Como boa parte dos meus questionamentos em criação escrita, não desejo chegar num ponto de vista que se torne denominador comum para quem quer que reflita algo a partir daqui.

e hoje não quero argumentar, só afirmar:

ilusão é espaço de vivência.

[e de cantinho, posso ainda me perguntar:]
onde viver com a ilusão?
qual o espaço/ lugar deste viver?

a força com que vivo uma ilusão é a mesma de caminhar todos os dias.


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