A Doença*
Não se trata nem de aniquilar nem de domesticar; a doença veio e tu, como bom hospitaleiro, deixaste-a entrar, e condeste-lhe até a melhor das tuas cadeiras. Mas eis que a hóspede parece não querer levantar-se, nenhum indício revelou até agora (e quantos dias passaram?, semanas? meses?) de algo que se assemelhe ao início de uma cordial e bem-educada despedida. Olhas bem para ela, finalmente, da tua cadeira cada vez mais desconfortável, e como que medes, com os olhos, a sua força e eventualmente os seus amigos - hesitando assim entre ser rude, expulsando-a à força, e aceitar as circunstâncias com um certo desportivismo.
E dada a tua gentileza invulgar, que desde a infância te elogiam, inclinas-te por fim para a segunda solução: és tu, pois, que te levanta para sair, incitando-a a não deixar de comer da cozinha os teus últimos alimentos, e deixando-lhe então, por completo, e com último olhar de entendimento, toda a casa por sua conta.
*Gonçalo M. Tavares. Breves notas sobre o medo. Relógio D'Agua, 2007.
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a doença é o embrião hibernante.
embrião de metamorfose-metástase,
espelho e reflexo involuntário.
...acumulando energia para o abandono, como um animal que engole sem pensar.
devora toda a vida, e vai-se embora para outros lugares.
...até chegar lá já digeriu toda a vida,
buscando tudo o que é externo,
e tão interior.
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