14.2.12

o salto ornamental

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Antes do salto, tem a rampa.

e tem os passos em direção à ponta da rampa,
e antes disso uma vida inteira.

a cada passo, uma ansiedade que nos forçamos a anestesiar,
como se os passos pudessem ficar cada vez mais leves, mais etéreos.

Na ponta da rampa a imobilidade.
O olho no fundo do mar, escondido embaixo da superfície calma da água.

Na ponta da rampa a ansiedade é diluída em respiros,
no olhar concentrado que esquece a altura, esquece o mundo à sua volta, esquece a vida inteira atrás da rampa.

no olhar que tenta esquecer a vertigem de viver.

A concentração é longa como os respiros, cada vez mais profundos, cada vez mais voltados para dentro de si.
Os respiros são suaves como os hibernantes.
Acumulando toda a energia durante o sono,
numa movimentação interna muito particular.
De instinto acordado mas de olhos fechados para o redor.

o redor da rampa e da vida atrás da rampa que irá abandonar.

o tempo vira vertigem.
poderia ficar semanas em cima da rampa, hibernando de olho sonhador dentro do mar.

e tão logo nos damos conta o sonho é o que sempre foi - a daydream living, e acordamos já na ponta dos pés, na ponta do salto que o corpo decidiu quando estava pronto, num instante sempre quase exato [e sempre incerto] à pausa do respiro.

hibernamos porque o salto é ornamental:
o salto calculado em cada movimento que no fim é sempre incerto, é sempre a busca de um ideal.
o ideal em direção ao mar revolto.
o mar embaixo d'agua é destino.

é onde a vertigem de viver toca em cada poro da pele.
onde estamos muito vivos, e acordados afinal.


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