9.5.10

o deserto mais aberto


sou rio que corre.
os outros nadam, observam ou caminham ao redor.

também sou a moradora mais velha do rio.
conheço todos os trajetos, suas correntezas,
suas erosões.

quando encontro os passantes do rio,
me perguntam:
para onde este rio vai?
é morno ou gelado? perigoso ou suave?
e já não sei responder.

venho pelo deserto dos dias em que não nos reconhecemos.
sigo caminhando, sem reconhecer a paisagem que muda, mas parece a mesma.
sou estrangeira no deserto.

vivo no rio-deserto.
a corrente não pára e os dias foram chuvosos
o rio se enche, parece mais denso, corre com força sem olhar para trás.

mas a velha está um pouco cega
o rio já não se parece mais como antes.

ela às vezes pensa em se mudar, pois não sabe mais o que dizer.

mas não.
[morar é projeto de insistência]
olha atenta a paisagem,
e espera o nevoeiro dos olhos passar.

o sol está iluminando o bosque.
logo vai reconhecer cada folha.
e vai aprender que não se pode enxergar todas mesmo.
não ao mesmo tempo.
[e entre uma e outra, pode-se passar anos...]

e enquanto todos perguntam
ela desaparece no meio de respostas escapistas.
[não é de todo mal que não haja respostas.]



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