14.2.10

Vila-Matas - A Arte de Desaparecer


mais uma vez, comentários íntimos:
pensar sobre o jogo do anonimato e a função de viver/ escrever:

E sempre tinha existido nele uma recusa total ao protagonismo. Perder, por exemplo, era um jogo que ele sempre gostou.

Perder é vencer no jogo do "não estou aqui".

[...] fazendo-se passar por estrangeiro [...] sensação de extravio.

qual é a sua posição confortável no mundo?
conhecer todos é também não conhecer ninguém.
artifício de não ser visto, estando visível.

Saber orientar-se numa cidade não significa muito. No entanto, perder-se numa cidade, como alguém se perde numa floresta, requer instrução.

é necessário empenho.
desejo e vontade, para fugir das redundâncias....

... e também a impressão ou ainda a incerteza de que estou chegando à última etapa de uma viagem a qual fui aprendendo lentamente o difícil exercício de saber se perder no emaranhado do mundo impresso.
[...]
Publicar era e é, para mim, algo assim como arriscar-se a dar um passo em falso no vazio.

Antes, a esposa diz: ... nunca deixou que eu lesse os seus papeis, e por isso sempre vivi sem saber sobre o que você realmente escrevia.
ela não sabia sobre o que realmente ele vivia.

Ao final, Anatol sentiu doce o gosto do exibicionismo, e para viver outra vida, deixou sua obra impressa, e desapareceu mais uma vez.
Que tipo de exibicionista Anatol era?
Se todos somos em parte, mas de quais tipos?

acredito que ele não sabia do gosto de ser visto, e poder fingir que era milhares.
somos milhares, sempre.
e posso fingir muitos outros e mostrar muitas nuances.
a ficção como verdade e a verdade transmutada, porque viver é assim, enganar e se enganar.
é se perder observando os outros e esquecendo-se de si mesmo
[até que um íntimo lhe cutuque: - volta!].


Enrique Vila-Matas
trechos de A Arte de Desaparecer.
Suicídios Exemplares, Cosac Naify, 2009.


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