12.2.10

Vila-Matas - para a névoa irreal


À névoa azul ardente da Africa.
e dos dias que não conheci.
dos lugares que vivi em pensamento - some imagination.

é também em homenagem à irrealidade da névoa azul ardente da Africa que escrevo esta seleção.
só não é plagio porque é declarado,
só não é autoral pelo mesmo motivo.
mas antes, prefiro dizer que é uma ficção/documetário íntimo.
porque brincar com a tênue linha é desejo de caminhar entre dois mundos,
é desejo de ser vista no anonimato.

- O que vai ter para o jantar? - perguntou um exigente Bernd.
- A morte - ela disse. Apenas a morte.
[...]
Valia a pena deixar de lado a ideia do forno e gozar fugazmente da expressão de horror e surpresa de seu marido quando, pela primeira vez em trinta anos, a visse rebelar-se contra a sufocante violência de sua enorme indiferença.

eu já dizia isso há muito tempo: a indiferença é a morte.
a indiferença é um grito surdo, um raio de dor penetrante, sem voz.

Mas antes de lançar sobre ele o pote, disse a si mesma que apagaria as luzes da casa e apavoraria os três. Não pela escuridão, mas porque com sua voz rouca de gaivota gritaria o próprio nome na escuridão. E assim o fez, mesmo que ao final não tivesse apagado as luzes mas se limitado ao grito:
- Rosaaaaaaa Schwaaaaaaarzer.

sim. penso que todos nós pensamos em gritar.
e gritamos silenciosos muitas vezes.
mas o grito silencioso não se propaga, irradia para dentro.
Particularmente, Rosa me fez pensar em gritar o nome de alguns, algumas vezes, bem à sua frente. Para que olhassem a si próprios e me deixassem invisível.

A felicidade mata, e esses suicidas imitam não o inimitável, mas o inexistente, pensa Rosa Schwarzer enquanto pensa que também a irrealidade é desagradável.

No fundo, tudo está em perfeita e triste ordem.

Rosa escolhe o desagradável da irrealidade, apesar da morte irreal.
e assim penso em quantas vezes a realidade é muito mais surreal.
é assim que frequentemente o mundo se abre à novidade, bem à minha frente.
e escondo-me nos livros para pensar o que há de banal,
porque a novidade do mundo se esconde nas pequenas coisas, nos olhos bem abertos.
a novidade esconde-se no desejo e no profundo.
o profundo que penetra no peito fundo e pode ser sempre diferente.
às vezes me entra pelos ouvidos,
às vezes pela garganta.

não todos os dias.
em alguns, desapareço.

Enrique Vila-Matas
trechos de Rosa Schwarzer volta à vida.
Suicídios Exemplares, Cosac Naify, 2009.

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